No Princípio era o pão

No princípio era o pão

Na tradição ocidental o pão sempre foi a base da alimentação e acompanhamento

para tudo e em todos os momentos.

Em Portugal até ao século XIX o pão era per si o único acompanhamento do conduto fosse sopa, carne ou peixe. A fome de 1846 que veio transformar a nossa agricultura também alterou para sempre a forma como nos viemos a alimentar, a integração da batata nos hábitos alimentares, a introdução das massas alimentícias, o arroz em mais abundância e a um preço mais acessível, o milho americano que aumenta em muito a produção fazendo com que houvesse mais pão de milho, mas também outras papas e sucedâneos deste cereal, fizeram com que o pão deixasse de ser , muitas vezes, a única companhia da refeição passando a um valoroso alimento mas já sem o impacto alimentar que tivera até aí.

Quando Guerra Junqueiro escreveu a “Oração ao Pão” ainda era um tempo em que este produto servia de base à alimentação sobretudo em terras do interior e desfavorecidas.

“Com quantos grãos de trigo um pão se fez? Dez mil talvez?

Dez mil almas, dez mil calvários e agonias…

Em frente desse pão, ou duro ou brando.

Antes que o mordas, tigre carniceiro,

Ergue-o na luz, beija-o primeiro!

Depois devora! O pão é corpo e alma

…São dez milalmas brancas, cor de Lua,

Transmigrando divinas para a tua!”

Sobre a origem do pão sabe-se que surgiu há milhares de anos, arqueólogos da Universidade de Copenhague, Dinamarca, asseguram que, há mais de 14 mil anos, na Jordânia, já se fazia uma espécie de pão feito de um trigo selvagem. Foram os egípcios, por volta de 4.000 a.C, que terão criado o forno e a massa de pão fermentada muito aproximada com o que estamos habituados a consumir nos nossos tempos. Muitas são as pinturas que atestam todo este processo.

O pão sempre foi moeda de troca para com os mais desfavorecidos e na Roma Antiga encontramos a frase que ainda hoje muito usam e estimulam “ Pannis et Circensis” ou seja desde que o Povo tenha pão e circo vive feliz sem causar aborrecimentos aos governantes.

Mas o pão seria elevado a alimento divino quando Deus feito homem realiza através do vinho e pão uma aliança oferecendo-se como último holocausto transformando o vinho em Seu sangue e o pão em Seu corpo. Desde esse momento o pão vai ganhar uma nova dimensão jamais mais vista por outro alimento, não será mais apenas um bem gastronómico, mas sempre aliado do lado espiritual e divino pelo qual o Homem todos os dias pedirá a Deus por ele invocando o Pão Nosso de Cada Dia como fonte de energia física, mas também fonte espiritual.

“Com o suor de teu rosto, comerás teu pão” serão palavras proferidas por Deus e Adão lembradas diariamente por gerações de gerações intercaladas por tantas outras saídas das Sagradas Escrituras Contudo tal como proferiu o Messias “Não só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus”. (Mt 4:4). o Homem depressa aprendeu que precisava de mais do que o simples pão e por isso desenvolveu ao longo de séculos receitas que foram tornando a simplicidade da receita cuja base é água e farinha numa diversidade que também é sobrenatural.

Se pensarmos nas variedades de pães que existem apenas em Portugal isso já bastaria para vermos a dimensão e sobretudo o empenho e conhecimento de gerações e gerações em transformar um produto tão simples em algo tão sublime.

De farinha e água fizemos coisas tão divinas como a regueifa um pão de trigo muito fofo, com uma ligeira crosta e um interior branco, quase esponjoso. Com a forma de um círculo (entrelaçado) tradicional entre douro e minho onde pontifica cada domingo quente com manteiga logo pela manhã em tantas casas como na minha seja ao pequeno almoço ou no almoço de domingo comprada depois da Missa, era a melhor oferta que se podia levar para Bragança quando era pequeno a alvura do seu miolo deixava as pessoas encantadas habituadas que estavam ao Trigo ou Centeio que eu adorava frito em azeite ou em sopas de unto.

Um dia um chefe alemão que me tentava humilhar falando do seu famoso e belíssimo pão negro ficou sem palavras depois de provar a nossa belíssima a Broa de Avintes, um pão denso e escuro, feito com farinha de milho, centeio e malte, está no forno por cinco horas para depois ser servida em fatias grossas sempre húmido e guloso… em que dia, por debaixo e constelação astrológica um dia alguém criou tal receita ? não é coisa divina?

Como esquecer o pão da Mealhada, também chamado de “coroa” , as Padas de Vale de Ílhavo feito com farinha pouco refinada e em forno a lenha, tradicionalmente feito por mulheres envolto em rezas e saberes que um ser maior que foi Mouette Barboff nos contou num livro imperdível “ pão de mulheres”, sim, falamos sempre da profissão de padeiro, mas foram sempre as mulheres que amassaram o pão na maior parte da História da humanidade e em Portugal são bem conhecidas duas grandes padeiras “

Deu la Deu” e a de “ Aljubarrota”.

Em Rio Maior temos um pão feito de farinha de trigo com uma crosta crocante, e um interior fofo e delicioso, de forma grande da mesma família dos grandes pães como os Alentejanos e do Algarve pão feito para aguentar uma semana e depois terminar em açordas e torricados.

Se formos para as Ilhas encontramos os bolos lêvedos típicos dos Açores, em particular a ilha do Faial, são adocicados, mas antigamente costumavam ser salgados, não tinham ovos e eram comidos durante a Quaresma, são macios, torrados do lado de fora, mas levemente mal cozidos por dentro, cozidos em forno a lenha, mas também eram feitos em frigideira no fogão.

O Bolo do Caco, feito de trigo, tradicional da Madeira é um pão achatado, pouco fermentado, redondo, com menos de 3 cm de altura cozido no Caco, uma pedra de basalto plana, muitas receitas levam batata-doce e não pode haver espetada de carne nem vinha d’alhos sem este pão a acompanhar.

Mas se a Pascoa judaica é celebrada com pão ázimo a Pascoa Cristã é festejada com pão doce ou enriquecido com carnes gordas, é assim que surgem o Pão de Ló, o pão que sobe (ló é e a escada que se lança dos barcos para que as pessoas subam ) , os folares doces de Aveiro , as Fogaças, os Folares de Valpaços e Vinhais , as Bôlas de Lamego sinal do tempo pascal do fim da quaresma.

No Natal também é o pão ou a sua massa a base dos doces mais tradicionais desde as filhoses, as rabanadas, os mexidos e tantos outros não são mais que o enriquecimento e uso da imaginação para criar algo de novo partindo do que já existe.

Nas crenças populares sonhar com pão duro, seco ou bolorento significa dificuldades económicas por isso o melhor será sempre termos pensamentos positivos e lembranças aromáticas de um pão acabado de sair do forno com manteiga a derreter…

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